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  • Foto do escritorLucas Maia

Maconha como medicamento?

por Lucas Maia e Maria Angélica Comis

Embora o uso da Cannabis sativa L. (maconha) na medicina permaneça controverso por estar inevitavelmente ligado a questões de ordem legal, os avanços nas pesquisas científicas sobre os efeitos da planta têm mostrado que esta pode ser uma ferramenta valiosa no tratamento de diversas doenças. Estes avanços têm ajudado, gradualmente, a quebrar o tabu envolvido nesta questão¹.


Ao longo dos anos, estudos científicos comprovaram os efeitos farmacológicos da planta, já relatados na medicina popular há séculos. Na década de 90, a descoberta de um sistema de neurotransmissão em mamíferos – o sistema endocanabinóide – formado por moléculas canabinóides endógenas que interagem com receptores específicos, os quais também são ativados pelos princípios ativos da Cannabis, produzindo seus efeitos comportamentais, impulsionou as pesquisas na área.  Hoje, a Cannabis e seus derivados são reconhecidos como medicamentos em diversos países da América do Norte e Europa.


As propriedades medicinais da maconha melhor descritas se referem aos efeitos analgésico, anti-espasmódico, anti-emético, estimulante de apetite e redutor da pressão intraocular. Esses efeitos atuam no controle de sintomas de variadas patologias como dor neuropática (oriunda de lesão ou disfunção de componentes do sistema nervoso), espasmos da esclerose múltipla, náuseas e vômitos relacionados à quimioterapia contra o câncer, falta de apetite e caquexia (enfraquecimento extremo) aidética e cancerígena, e pressão intraocular elevada do glaucoma. Novas formas de administração da droga como pílulas e sprays, além do uso de princípios ativos isolados – nomeadamente delta-9-tetrahidrocanabinol (∆9-THC) e canabidiol (CBD) – fornecem maior segurança e eficácia, bem como menor incidência de efeitos adversos.


De fato, há milênios a Cannabis é utilizada para fins medicinais e hedonísticos (recreativos) por diversas populações mundiais². Entretanto, é importante discernir estes dois tipos de uso. O primeiro deve ser embasado em evidências científicas e tem como função o uso medicinal, isento de fatores ideológicos. Vale lembrar que os canabinóides também geram efeitos adversos, à semelhança de outras drogas utilizadas amplamente pela medicina, por exemplo, morfina, cafeína e benzodiazepínicos. Entretanto, estes efeitos tornam-se aceitos quando considerados os benefícios trazidos ao paciente (relação de risco/benefício).


Por outro lado, o uso hedonístico da Cannabis envolve fatores biopsicossociais complexos, os quais não cabem somente à medicina explanar, e que não é o objetivo deste texto discutir. O uso abusivo de qualquer substância pode causar prejuízos à saúde. No entanto, segundo estudos agrupados em um extenso relatório da Fundação Beckley em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido), o uso moderado da maconha (pura) pode ser menos perigoso que o do álcool e do tabaco, por exemplo3. Demonstrando a complexidade do assunto.


No Brasil, o Congresso Nacional poderá votar a criação de uma Agência Nacional da Cannabis Medicinal, a qual regulamentaria o uso médico da maconha. Enquanto isso, a ANVISA já iniciou discussões para o registro do Sativex® – um medicamento em forma de spray contendo ∆9-THC e CBD – no Brasil. Em paralelo, a discussão sobre a regulamentação da planta para fins recreativos ganha representatividade a partir do posicionamento de diferentes formadores de opinião, tais como políticos, pesquisadores, médicos, jornalistas, religiosos e outros.


Diante dos pontos apresentados, o Coletivo Curare reconhece a necessidade da regulamentação do uso médico da maconha e derivados, uma vez que a planta possui efeitos terapêuticos comprovados cientificamente, os quais podem beneficiar inúmeros pacientes, da mesma forma que a morfina, cafeína, escopolamina, entre outras; todas substância derivadas de plantas. A regulamentação da maconha para fins recreativos é um tema diferente da discussão do uso medicinal, entretanto este debate deve ser aberto à sociedade devido às suas implicações e/ou repercussões sociais, políticas e econômicas.


Referências


  1. “Simpósio Internacional: Por uma Agência Brasileira da Cannabis Medicinal?”. Carlini EA, Galduróz JCF, Andersen ML, Orlandi-Mattos PE, Maia LO (Editores). São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). 2011.

  2. Zuardi AW. History of cannabis as a medicine: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria (2):153-7. 2006.

  3. Room R et al. Cannabis Policy: Moving Beyond Stalemate. Oxford University Press and Beckley Foundation Press. 300 pp. 2010. Resumo disponível aqui.

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